O senhor Narciso tinha 97 anos, 76 dos quais vividos em partilha franca da vida com a sua Maria, que partira havia nem dois meses. Atrapalhado com a falta de metade de si, Narciso procurou, na noite de festa de aldeia, a cara laroca a quem se unira há mais de sete décadas... Era Setembro e as noites já arrefeciam. Mas Narciso saía para impressionar. Por isso, não vestiu o pulôver e escolheu envergá-lo pelas costas, de um jeito sedutor, que deixava à vista a camisa que já nem se lembrava de ter usado e o peito peludo, másculo, que se perscrutava por entre o espaço aberto que os primeiros botões, não unidos às respectivas casas, deixavam entrever e (apetecia-lhe!) desejar... Saiu para a farra, levado por um sentimento sem nome a que alguém chamou um dia 'mais do que saudades'. Movido por uma inconsciente tentativa de encontrar reparação para a sua perda, não deu ouvidos a quem lhe pediu que se protegesse, que se agasalhasse, que não fizesse como aos vinte, quando 'quem tem brio não tem frio' e, por isso e ainda pela efectiva falta de gasto da máquina humana, tem também bem activas todas as defesas contra invasores que moram no tempo atmosférico. De pulôver pelos ombros, Narciso saiu com o primeiro sorriso sentido após a despedida da sua Maria. Saiu à conquista… No terreiro do bailarico, catrapiscou uma qualquer… que desse com ele um pezinho de dança. E tossiu. Durante uma escassa hora, Narciso “bailaricou”, “tossiricando”… De pulôver pelos ombros (as mangas entrelaçadas à frente) e peito aberto, à matador – como quando conquistara Maria. E foi assim que, rapidamente, Narciso voltou a estar perto da sua amada de sempre, pois a escassa camisa e o seu pescoço ao vento seduziram Maria, que assistia lá de longe, lá de além…, de um modo novo e mais sabedor do que nunca, impelindo-a a lançar um sussurro quente a Narciso: - Vem! E Narciso foi. Dois dias depois - anestesiado pela febre alta e já sem forças para a tosse, vendo claramente a sua Maria, de branco vestida, qual anjo, atraindo-o, irresistivelmente, para si…
6 comentários:
Muito bonita.
nao sei se e' um canhao atras dos dois, mas gosto de pensar que e' :)
Good catch!
... os segredos que sempre te escondi!
Vou te contar que praticamente não tenho tido net e daí as minhas ausências, apenas técnicas. Boa foto.
O senhor Narciso tinha 97 anos, 76 dos quais vividos em partilha franca da vida com a sua Maria, que partira havia nem dois meses.
Atrapalhado com a falta de metade de si, Narciso procurou, na noite de festa de aldeia, a cara laroca a quem se unira há mais de sete décadas...
Era Setembro e as noites já arrefeciam. Mas Narciso saía para impressionar. Por isso, não vestiu o pulôver e escolheu envergá-lo pelas costas, de um jeito sedutor, que deixava à vista a camisa que já nem se lembrava de ter usado e o peito peludo, másculo, que se perscrutava por entre o espaço aberto que os primeiros botões, não unidos às respectivas casas, deixavam entrever e (apetecia-lhe!) desejar...
Saiu para a farra, levado por um sentimento sem nome a que alguém chamou um dia 'mais do que saudades'. Movido por uma inconsciente tentativa de encontrar reparação para a sua perda, não deu ouvidos a quem lhe pediu que se protegesse, que se agasalhasse, que não fizesse como aos vinte, quando 'quem tem brio não tem frio' e, por isso e ainda pela efectiva falta de gasto da máquina humana, tem também bem activas todas as defesas contra invasores que moram no tempo atmosférico.
De pulôver pelos ombros, Narciso saiu com o primeiro sorriso sentido após a despedida da sua Maria. Saiu à conquista…
No terreiro do bailarico, catrapiscou uma qualquer… que desse com ele um pezinho de dança. E tossiu. Durante uma escassa hora, Narciso “bailaricou”, “tossiricando”… De pulôver pelos ombros (as mangas entrelaçadas à frente) e peito aberto, à matador – como quando conquistara Maria. E foi assim que, rapidamente, Narciso voltou a estar perto da sua amada de sempre, pois a escassa camisa e o seu pescoço ao vento seduziram Maria, que assistia lá de longe, lá de além…, de um modo novo e mais sabedor do que nunca, impelindo-a a lançar um sussurro quente a Narciso:
- Vem!
E Narciso foi. Dois dias depois - anestesiado pela febre alta e já sem forças para a tosse, vendo claramente a sua Maria, de branco vestida, qual anjo, atraindo-o, irresistivelmente, para si…
Então, vá!
"Conta-me como foi!"
Estou curioso.
Já é a quinta vez que prometes contar-mo e ainda não o cumpriste.
Eh, eh, eh!...
Beijo de boas férias
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