segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Pai

Era uma vez os Peralta e os Pereira. Duas famílias que viviam em duas colinas vizinhas e que disputavam uma terceira colina de um lugar imaginado. Uma história inventada, contada e cantada em Brasileiro, pela voz do meu pai e que lembro desde sempre. Acho que ainda não falava e já ouvia esta história … acho que ainda não falava e os meus olhos e os dos meus irmãos já se “prendiam” a esta e outras histórias contadas, cantadas, inventadas… acho que ainda não falava e já o ouvia pela casa, dizer: “As armas e os Barões assinalados, que da Ocidental praia Lusitana, por mares nunca antes navegados…”, ou docemente dizer : O Menino da sua Mãe, “No plaino abandonado que a morna brisa aquece, de balas trespassado, duas de lado a lado…”. Camões e Pessoa chegaram pela voz do meu Pai, como a música, a companhia, as brincadeiras nos lugares menos esperados e desejados, o prazer em conduzir (para mim de noite também),e o enorme sentido de humor que rompia no meio da conversa mais séria do mundo. Desarmava quem estava por perto, e até a pessoa mais "cinzenta" acabava por rir. Tudo vinha de dentro e acreditava incondicionalmente no amor. Os livros eram uma das suas paixóes e ler o seu reflexo. Partiu mais cedo do que esperávamos. Não esperávamos nunca. Hoje era dia de jantar em família para comemorar o seu aniversário, hoje lembro mais do que nunca o Pai que sempre vai existir na minha vida, nos nossos amigos (que são muitos e bons, felizmente), nos meus filhos (a quem contou tantas historias também), nos lugares, nas convicções, no amor… O meu Pai!Hoje toca o violoncelo arrumado no canto da sala.Hoje toca uma saudade do tamanho do mundo. Hoje toca a lembrança doce de um sorriso aberto quando a casa se enchia de amigos. Este era o lugar preferido do meu Pai: a nossa casa cheia!


*Escrevi este texto no dia 1 de Julho de 2008.

**Os amigos docemente lá vão percebendo as “marés” resultantes desta ausência…A maior perda, que tive até hoje, na minha vida.

**Faz hoje sete meses que partiste, pai. E de onde estiveres estas palavras são para ti.

14 comentários:

Jorge A. Roque disse...

Numa entrevista única, A. Lobo Antunes diz algo como (cito de cor): "só crescemos verdadeiramente depois da morte do nosso pai (...) quando nos apercebemos, ao tocarem a campainha, que somos nós que temos de ir a abrir a porta". Infelizmente sei o que sentes. Também tive de crescer, sem querer. Fez um ano no passado dia 1. Dia em que nasci. Beijinho

Vítor disse...

Beijo

Clarice disse...

Jorge,sei de cor essa entrevista... tocou-me muito!
Está a custar-me muito ter que ir abrir a porta quando toca a campainha...ainda hesito ao levantar...
Datas coladas aos melhores e piores dias das nossas vidas, também sei...

Agora o melhor:Parabéns pelo teu aniversário e um beijinho daqui!

Clarice disse...

Vítor: recebi.

Lady Godiva disse...

Ai, Jesus, Jorge (é a primeira vez que me dirijo a ti)... que medo de nascer!

Clarice: um beijo de formato quíntuplo, pois vocês estarão sempre todos juntos.

Cati disse...

Um grande beijo de quem, felizmente, ainda não cresceu... mas que pequena, te compreende.

Carlos Lopes disse...

Muito bonito, muito bonito.

Anónimo disse...

Beijinho grande.
Gina.

Pedro disse...

Também eu já dei o meu salto no crescimento. Já abro a porta, faço sala e acompanho à saída.Que saudade ainda fresca.
2 beijos

Anónimo disse...

Querida Clarice
Tive o privilégio de conhecer o teu pai e de durante 1 ano inteiro ele me dar boleia para a Universidade. Era um fartote de rir o caminho inteiro porque ele "metia-se" com meio mundo. É assim que o guardo na minha memória: um senhor divertido e sempre bem disposto. Acho que puxas-te a ele... . Tambem perdi a minha mãe muito cedo e a saudade, essa, nunca passa.

Um beijinho tambem para o Pedro, o pai dele tambem era do grupo dos sempre bem dispostos.

Gostava de deixar aqui uma mensagem a todos os que por aqui passarem: Quem ainda tem os pais vivos, aproveite-os bem e não disperdice tempo com zangas e "ninharias"; de um momento para o outro, podemos ficar sem eles e a saudade NUNCA passa.
Quem já perdeu algum dos pais ou os dois, que guarde consigo as recordações dos momentos felizes, que essas tb são para sempre.

Desculpa Clarice, já me alonguei aqui no teu cantinho...
Mais 1 bjh especial para ti

Daniela Bonito disse...

É uma sorte ainda não saber, a que sabe esse sofrer! Mas sei a que sabe ter olhado para os teus óculos de sol, que naquele dia escondiam tanta coisa...
E o que escondiam não eram os sorrisos que conheço tão bem!
Um beijinho "bem alto" que só aminha voz consegue!!!
Dani

Lady Godiva disse...

Sabes, Clarice, quando chegou o dia do pai do Pedro, surgiu-me um texto que postei e o Pedro pediu-me para o rematar com uma música que te deixo também aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=cxbFLYa0_bw

Penso que é o que cada pai devia ser para cada filho.

Agora ficam 5 beijos, um especial para ti.

Yanneck disse...

Sinto-me uma criança...felizmentte que ainda não cresci e espero continuar a ser uma criança feliz, sem sobressaltos nem preocupações.
Infelizmente vi grandes amigos crescerem assim, de repente.
Para todos eles, o meu crer na estrela nova que cintila, no brilho que guia, no espaço que ocupa dentro de cada um.
Para todos eles o desejo de que o "abrir a porta" seja uma continuidade, um testemunho e a certeza de que são bons "porteiros" da vida... e mais não digo...por todos eles...e por vós.

Clarice disse...

Agradeço as palavras doces de todos vós!

Pedro: o sorriso do teu pai naquela voz, a presença... estará sempre em mim...em nós. É também isso que nos faz estar por perto.


Rute: belas noites sem dormir naquela casa onde as amizades "nasciam" para sempre... Tudo continua!


Daniela: não fui eu que te orientei no estágio, tu é que me tens orientado nas múltiplas observações...são os teus olhos que sabem muito bem olhar os meus. Tu tens estado sempre aqui, e naquele dia mesmo no escuro eu sabia-te ao meu lado. Dani, minha querida...